segunda-feira, 4 de julho de 2016

TERRAS DE R$ 40 MILHÕES Juiz nega retomada de posse de fazenda destinada a índios

O empresário Valdir Piran adquiriu a área de 9,8 mil hectares em 2006 e apresentou título



Reprodução

Área foi declarada como terra indígena pela Funai, presidida por João Pedro Gonçalves da Costa (foto)
LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
O juiz Raphael Cazelli de Almeida Carvalho, da 8ª Vara Federal de Cuiabá, julgou improcedente a ação movida pelo empresário Valdir Piran, que pleiteava a retomada da posse de uma fazenda de 9,8 mil hectares que foi declarada como terra indígena pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

A decisão é do dia 15 de junho e a defesa de Piran, feita pelo advogado Paulo Humberto Budóia, já adiantou que irá recorrer (leia abaixo).

A fazenda fica dentro da denominada Terra Indígena Cacique Fontoura, de 32 mil hectares, localizada nos municípios de São Félix do Araguaia e Luciara. Segundo a defesa de Piran, a fazenda é avaliada em cerca de R$ 40 milhões.

A área em litígio encontra-se toda encravada na área originalmente ocupada pelos Karajá

O empresário, que atua nos ramos de factoring, investimento, incorporação e locação, pediu ao magistrado a suspensão do decreto e da portaria do Ministério da Justiça, datados de 2002 e 2007, respectivamente, que declararam como de posse indígena todos os 32 mil hectares da área, incluindo a sua fazenda.

A defesa alegou que Piran é o legítimo proprietário da área de terra e que o processo administrativo que concedeu a posse aos índios Karajá seria nulo, “diante da ausência de índios nos limites declarados na portaria, da impossibilidade de se acrescer limites em terras já demarcadas, e da ausência de ampla defesa nos autos”.

À Justiça, o empresário apresentou o título definitivo do registro da terra e um certificado do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que legitimariam a posse.

Outro argumento da defesa foi o de que o memorial do processo administrativo relatou que a fazenda se localiza à margem esquerda do rio e que “não está dentro de limites da possibilidade de ter sido terra ocupada pelos indígenas”.

O empresário também pediu que, caso o decreto e a portaria não pudessem ser suspensos, a área de terra ficasse retida em sua posse até a União lhe pagar a indenização pelas benfeitorias que promoveu no local.

Demarcação

Em sua decisão, o juiz Raphael Carvalho relatou que, de fato, Valdir Piran comprou a fazenda do então proprietário Odecio Henrique de Melo, em abril de 2006.

Porém, segundo o magistrado, o processo de demarcação da Terra Indígena Cacique Fontoura ocorreu antes da negociação, em novembro de 2002, cumprindo todos os ditames legais e “com ampla divulgação através da imprensa oficial, e participação de proprietários e população local, permitindo aos interessados inequívoca ciência”.

O juiz também citou que, em 2004, outra sentença confirmou a ocupação dos indígenas no local, através de laudo antropológico em ação que, inclusive, foi proposta por Odecio Melo, que vendeu a terra a Piran.,

“Assim, não há que se falar em ofensa aos princípios da ampla defesa e contraditório, sendo respeitado todas as etapas do procedimento administrativo de declaração e demarcação de terras, devendo o autor ter tomado todas as cautelas necessárias antes da referida aquisição”, disse Raphael Carvalho.

Você não pode impedir a União de fazer a demarcação de uma terra indígena, mas também você não pode tomar a terra sem indenizar

Também foi contestada pelo magistrado a alegada ausência de ocupação indígena nas terras de Piran. De acordo com Raphael Carvalho, o laudo antropológico da Funai atesta que os índios ocupavam toda a extensão do local.

“A área em litígio encontra-se toda encravada na área originalmente ocupada pelos Karajá, pois as fontes etnohistóricas apresentadas registram que a margem esquerda do Araguaia entre a embocadura do rio das Mortes e do rio Tapirapés é parte integrante do território dos Karajá há séculos. Como se disse, a própria cidade de Luciara foi erguida a partir de uma aldeia, assim como a de São Félix [...] os Karajá vivem nessa região do médio Araguaia desde o século XVI, como vimos na 1ª parte. A microbacia do lago Fontoura especificamente, território contido na proposta da TI Cacique Fontoura é comprovadamente explorada, em caráter ininterrupto, pelos Karajá do médio Araguaia pelo menos desde o início do século XIX”, diz trecho do laudo da Funai, citado pelo juiz.

Direito originário

Conforme o magistrado, a Constituição Federal assegura que as áreas indígenas são inalienáveis, indisponíveis e possuem direitos imprescritíveis.

“Assim, o fato do autor possuir Título Definitivo com Registro Torrens, datado de 1960, e Certificação do Incra, datado de 2006, não lhe emana nenhum direito, já que a Constituição garante a estas terras a característica da inalienabilidade e indisponibilidade, prevalecendo o direito originário do indígena”.

budoia
O advogado Paulo Humberto Budóia, que irá recorrer
Ainda na decisão, o juiz negou a Piran o direito de receber indenização pelas benefeitorias, uma vez que, segundo Raphael Carvalho, não houve boa-fé na ocupação da área pelo empresário.

“No caso, diante do longo processo de demarcação, com ampla participação de interessados, o autor, no mínimo, era sabedor de que se tratava de terras tradicionalmente ocupadas por índios”, afirmou.

“Diante do exposto, julgo improcedente o pedido, nos termos do artigo 487, inciso I do Novo Código de Processo Civil”, decidiu.

Defesa vai recorrer

O advogado Paulo Humberto Budóia adiantou que vai recorrer da sentença no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília (DF).

“Já existem julgados no TRF nesse sentido. Você não pode impedir a União de fazer a demarcação de uma terra indígena, mas também você não pode tomar a terra sem indenizar. Já tem julgamento do próprio Supremo Tribunal Federal nesse sentido”, disse.

Fonte: Lucas Rodrigues/Midia News

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